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Artigos - Pontos Fundamentais do Treino do Grou Branco

por Dr. Yang, Jwing‐Ming

traduzido por André Filipe Cachaço

O grou é um animal fraco, com pouca força para utilizar numa luta. Todavia, quando necessário, pode defender‐se de modo bastante eficaz. Um grou defendendo‐se a si mesmo dispõe apenas de três elementos: a capacidade de salto, o poder de quebra das suas asas e as bicadas.

 

Os saltos são usados para se esquivar a um ataque e também para se aproximar do adversário com vista ao seu próprio ataque. Quando um grou usa as suas asas para bater, ele pode gerar força suficiente para partir um ramo grande. A chave para este tipo de força é a velocidade. Recorde‐se que a água, embora mole, quando esguichada com rapidez suficiente pode substituir um bisturi nas intervenções cirúrgicas.

 

Por fim, a velocidade e precisão com que um grou consegue dar bicadas é extremamente eficaz para atacar áreas vitais. Este mecanismo de sobrevivência é ainda útil para outra finalidade, pois o grou usa o seu bico para apanhar peixe. De seguida, gostaria de sumarizar alguns dos pontos fundamentais do treino de Grou Branco juntamente com alguma da minha experiência de trinta e cinco anos.

1. O Grou Branco do Sul é um estilo Suave‐Duro. No caso do principiante, o treino tende mais para o aspecto duro. É sabido, de um modo geral, que os estilos externos treinam do externo para o interno e do duro para o suave. O motivo é que é mais fácil ser‐se duro do que suave.

 

Além disso, para utilizar a suavidade, é necessário compreender‐se a teoria do Jin de Ouvir (i.e., o sentir da pele), do Jin do Compreender, do Jin do Seguir, do Jin do Colar, do Jin do Aderir e do Jin do Enroscar. Depois, é preciso saber como aplicar as teorias de cada um na prática.

 

Porém, o aspecto essencial na utilização do suave contra o duro é saber como cultivar o Qi interno até a um nível abundante e ser capaz de o guiar de forma a energizar o poder muscular com a concentração da mente. De modo a atingir este objectivo, são necessários, geralmente, mais de dez anos de reflexão e prática. Naturalmente, não é fácil para um principiante aprender estes níveis altamente secretos da arte.

 

Normalmente, num estilo externo, o mestre ensinará o discípulo a usar a concentração mental para produzir Qi local, como nos braços, e a utilizar este Qi local para fortalecer o poder muscular a um alto nível. Este tipo de Qigong é classificado como Elixir Externo (Wai Dan).

 

A partir deste treino, as técnicas marciais podem ser ensinadas e imediatamente aplicadas para defesa e ataque. Este procedimento era necessário nos tempos antigos, quando as técnicas de auto‐defesa eram essenciais para sobreviver numa sociedade guerreira. Somente após o estudante das artes marciais externas ter atingido um alto grau de proficiência o mestre o introduziria lentamente nos métodos da meditação.

 

Através da meditação, o Qi é gerado a um nível mais abundante no Baixo Dan Tian. Este tipo de treino é classificado como Elixir Interno (Nei Dan). Normalmente, o primeiro passo para o treino do Elixir Interno é a Pequena Circulação (Xiao Zhou Tian). Através da prática da Pequena Circulação, é possível não só armazenar o Qi no Baixo Dan Tian a um nível mais elevado, mas também fazê‐lo circular nos dois vasos mais importantes do Qi, os Vasos da Concepção e da Governação.

 

Por fim, a Grande Circulação (Da Zhou Tian) é ensinada ao estudante. Através da prática da Grande Circulação, o estudante aprenderá como guiar o Qi correctamente até aos membros, ou qualquer parte do corpo, para energizá‐lo ao mais alto nível de manifestação do Jin. De modo a que a mente guie a circulação livre e fluida do Qi, o corpo deve estar relaxado. Um corpo tenso fará a circulação do Qi estagnar. Por isso, o corpo deve permanecer descontraído.

 

Por conseguinte, quando um praticante de Grou Branco de alto nível manifesta o Jin no seu treino ou em combate, o corpo encontra‐se inicialmente muito relaxado enquanto o Qi é guiado até aos membros a fim de fortalecer os músculos. Assim que a força atinge o adversário, então o corpo fica subitamente tenso. Mais uma vez, é por este motivo que o Grou Branco é denominado de estilo suave‐duro.

 

A partir daqui, pode verificar‐se que o lado interno ou suave do treino de Grou Branco, quer na teoria quer na prática, é idêntico ao de outros estilos marciais internos chineses. A razão para tal é que seja qual for a forma como um estilo se desenvolve, ele tem que seguir o Dao (Via Natural). Mais tarde, explicarei o Dao da teoria do Qigong.

 

No passado, era do conhecimento geral que se um artista marcial praticasse os estilos externos e outro praticasse os estilos internos durante três anos e então lutassem, o estilista externo seria sempre o vencedor. A razão é que os estilos externos ensinam ao praticante como utilizar o Qi local para energizar os músculos e aplicá‐lo de imediato em combate. Este não é o caso do estilista interno, que estará ainda a aprender a ser suave e a procurar modos de cultivar o Qi internamente. Todavia, após dez anos de treino, o estilista externo dará ênfase ao aspecto suave enquanto estilista interno avança para o aspecto duro e as aplicações marciais. Se eles lutarem de novo, muito provavelmente equilibrar‐se‐ão com facilidade.

 

As sequências iniciais do treino de Grou Branco, como a Jiao Zhan Quan (Sequência dos Ângulos de Batalha), a San Zhan Quan (Sequência das Três Batalhas) e a Qi Xing Quan (Sequência das Sete Estrelas), são mais duras no seu treino. Enquanto as mais suaves, como a Shan He Quan (Sequência do Grou de Leque) e a Hu Die Zhan (Sequência da Palma de Borboleta), são extremamente suaves como o Taijiquan. Muitas outras sequências são uma combinação de suave e duro, e são treinadas para combates reais, como a Ba Mei Shou (Mão das Oito Plumas), a Z’ong He Quan (Sequência do Grou Ancestral) e a Shi Ba Lou Han Shou (Dezoito Mãos de Lou Han).

 

2. As Sequências de Grou Branco são construídas a partir de Jins diferentes ao invés de técnicas individuais. Caso tenha aprendido diferentes estilos de artes marciais chinesas, terse‐ á apercebido que a construção da maioria das sequências de Grou Branco, especialmente as básicas, é feita a partir de vários padrões de Jin. Normalmente, as sequências básicas são curtas e apenas cinco a dez padrões de Jin são incluídos. O processo de aprendizagem é curto e fácil. Todavia, o processo de treino é muito longo e difícil. Isto é diferente de muitos outros estilos de artes marciais chinesas como o Punho Longo (Changquan), o Louva‐a‐Deus (Tang Lang) ou o Garra de Águia (Ying Zhua), nos quais as sequências são construídas a partir das técnicas. Normalmente, estas sequências são difíceis de aprender e fáceis de treinar.

No treino das sequências de Grou Branco, o primeiro requisito é um enraizamento firme. O modo de gerar diferentes padrões de Jin a partir da cintura em coordenação com o respirar é o aspecto fulcral do treino. Normalmente, um principiante levará muitos anos a alcançar a essência da manifestação do Jin. É somente após um Jin ser manifestado correcta e poderosamente que as técnicas derivadas de cada Jin são explicadas pelo mestre. Geralmente, cada padrão de Jin inclui quatro categorias possíveis de aplicações marciais: Pontapear, Socar, Luta Corpo‐a‐ Corpo e Qin Na. Do mesmo modo, existem várias técnicas possíveis em cada uma destas categorias.

 

Paralelamente, o treino da velocidade é fortemente enfatizado pois crê‐se que, mesmo que se conheça muitas técnicas, elas serão inúteis sem uma boa velocidade e força nas manifestações de Jin. Por conseguinte, velocidade e força tornaram‐se os aspectos mais importantes do treino nas fases iniciais.

3. Os movimentos da coluna vertebral e do peito são os mais importantes. Acredita‐se que a razão pela qual as aves voadoras de longas distâncias, tais como aves migratórias como o Grou Branco ou as aves marítimas, conseguem voar essas distâncias é que, ao voar, elas movem o peito em coordenação com as asas. Por este motivo, elas utilizam o seu corpo para executar a maior parte do voo. Isto difere das aves autóctones, como o pardal, que usam somente as asas para transportar o seu corpo e portanto não conseguem voar longas distâncias. Naturalmente, quando as aves voadoras de longas distâncias lutam, elas geram poder a partir do centro do seu corpo e do seu peito.

 

Todavia, analisemos a produção de Jin de um ponto de vista marcial. Teoricamente, desde que exista uma articulação que se possa dobrar e depois endireitar, ela é considerada um arco. Estes arcos são construídos a partir dos músculos e tendões nas articulações. Através da contracção e da expansão, o arco é capaz de gerar força. No nosso corpo, existem dois arcos que são construídos a partir dos dois maiores grupos de músculos e tendões. Estes dois arcos são o tronco e o peito. Se se atentar na estrutura do corpo, verificar‐se‐á que, através da contracção dos músculos do tronco e do peito, é possível puxar, empurrar, levantar ou executar trabalhos pesados. Após uma lesão destes arcos, a força será reduzida significativamente. Mais uma vez, se se reparar nos atletas olímpicos que lançam o dardo ou o disco, o tronco e o peito têm de ser habilmente aplicados aos movimentos de forma a gerar um grande poder de lançamento.

 

De modo a gerar um forte Jin marcial, estes dois arcos são enfatizados em todas as artes marciais chinesas. Este é também o caso do Grou Branco do Sul. O Grou Branco do Sul especializa‐se no treino do tronco e do peito. Podemos ver isto no treino de Qigong de Grou Branco, no qual os movimentos da coluna vertebral e do peito são o foco principal. Através do treino de Qigong de Grou Branco, o praticante aprenderá a reconfigurar a sua coluna vertebral e peito de um nível fraco a um nível mais forte. Isto inclui os músculos, tendões e também os ligamentos. Só após o praticante ter dominado os movimentos do Qigong e coordenado os mesmos com a respiração, Yi, e Qi, o Jin pode ser manifestado em coordenação com outros arcos mais pequenos, como os ombros, os cotovelos e os pulsos, e assim no seu potencial máximo.

 

É preciso entender que de modo a ter um Jin forte, é necessário possuir um corpo forte (Yang) e um nível abundante de Qi (Yin). O corpo é como uma máquina e o Qi é como a electricidade. Se um dos dois estiver em falta, o poder não será forte. Portanto, no Grou Branco treina‐se para gerar força a partir da rotação da cintura, força que, propagando‐se através da coluna e do peito, se exterioriza, manifestando o Jin.

 

Com frequência, o principiante de Grou Branco ou um praticante de outro estilo sabe apenas como tornar tensos os músculos e tendões da coluna e do peito sem saber como relaxá‐los. É comum, nesta situação, os ligamentos da coluna, as articulações ou os músculos sofrerem lesões. Isto vê‐se habitualmente nos estilos de Karate em que se dá forte ênfase à tensão do torso.

 

4. O Grou Branco do Sul especializa‐se no combate a curta e média distância. Como já vimos, o Grou Branco do Sul desenvolveu‐se no sul da China. Devido aos factores previamente explicados, as suas técnicas de mãos são altamente desenvolvidas. Normalmente, nos estilos do norte, diz‐se: “as mãos são como dois postigos, levanta a perna para bater no adversário”. Isto significa que as duas mãos são como dois componentes de uma porta chinesa que é utilizada principalmente para bloquear. O ataque‐chave origina‐se a partir dos pontapés. Porém, nos estilos do sul, diz‐se: “Pés não mais altos do que os joelhos”. Isto significa que quando os estilos do sul iniciam um pontapé, o alvo, de um modo geral, não é mais alto do que o joelho do adversário. Isto implica que os Estilos do Sul dão ênfase a pontapés baixos ao invés de técnicas de pontapés altos.

 

Pelas razões acima expostas, normalmente, quando um artista marcial de Grou Branco luta, ele ou ela coloca‐se na longa distância. Quando o momento é oportuno e as circunstâncias o permitem, ele ou ela deslocar‐se‐á rapidamente para a média ou curta distância e aproveitará as técnicas de mãos aprimoradas para lutar. Logo após o ataque, ele ou ela colocar‐se‐á de novo e imediatamente na longa distância para evitar ser agarrado. Dado que o Grou é um animal fraco, assim que for agarrado terá poucas hipóteses de escapar. Para preencher esta lacuna, os praticantes de Grou Branco especializam‐se na luta corpo‐a‐corpo e em técnicas de Qin Na (agarrar e controlar) de maneira a lidar com as dificuldades de ser agarrado. De facto, o Grou Branco é um dos estilos mais conhecidos que se especializa em Qin Na.

 

Quando o treino de Grou Branco atinge um alto nível, as técnicas de ouvir, seguir, colar, aderir, enroscar e controlar tornam‐se importantes. Não difere do Taijiquan, que dá ênfase aos mesmos critérios e perícia no combate a curta e média distância.

 

5. A defesa é utilizada como ataque. Dado que o Grou é um animal fraco, sem a vantagem da força, ele tem que utilizar a sua defesa como ataque. Ele deve estar calmo, tranquilo e estável mas também alerta e pronto para atacar. Quando a oportunidade surge e o momento é adequado, o ataque é executado num piscar de olhos. A estratégia do Grou é, portanto, proteger‐se a si mesmo e aguardar pela oportunidade para atacar.

 

Para concluir, o treino de Grou foca‐se na manutenção da distância apropriada, seja através de saltos ou passos, e na velocidade e precisão em ataques a áreas vitais.

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